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Aquilo que a tradição jurídica europeia continental
chama de Estado de direito é, com apenas pequenas
distinções, basicamente o que a tradição jurídica
anglo-saxônica chama de rule of law (domínio da lei), ou
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seja, a garantia de proibição do exercício arbitrário do poder,
a exigência de normas públicas claras e consistentes e a
existência de tribunais acessíveis e estruturados para ouvir e
determinar as diversas reivindicações legais. Contudo, ao
contrário do que ocorre com a expressão Estado de direito, o
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termo rule of law não apresenta qualquer indício de
contradição ou de redundância, pois o que ele evoca é
claramente uma limitação ao exercício do poder político, ou
seja, a eliminação do arbítrio no exercício dos poderes
públicos com a consequente garantia de direitos dos
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indivíduos perante esses poderes.
A tradição anglo-saxônica do rule of law não atribui
uma dimensão meramente formal à ideia de Estado de
direito, incluindo também uma dimensão substancial. Com
efeito, a rule of law não apenas submete o exercício do
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poder ao direito, concebendo diversos mecanismos de
controle dos atos governamentais, mas também concede aos
indivíduos direitos inalienáveis anteriores à própria ordem
estatal. Nesse sentido, é importante ressaltar que o princípio
do devido processo legal relaciona-se à ideia de que os
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indivíduos, além de serem tratados segundo aquilo que a lei
lhes reserva ou atribui (igualdade perante a lei), devem
fundamentalmente ser tratados segundo procedimentos
justos e equitativos.
Nos países que pertencem à tradição do civil law, ao
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contrário, a noção de Estado de direito foi concebida
inicialmente em uma dimensão meramente formal,
confundindo-se com o próprio princípio da legalidade, que
estabelece que todos os atos emanados dos órgãos do
Estado devem estar habilitados juridicamente, isto é, devem
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estar fundados e motivados em uma hierarquia de normas
públicas, claras, abstratas e gerais.
Essa submissão do poder estatal à hierarquia das
normas sofreu uma inflexão com o advento do chamado
Estado de bem-estar social. Esse novo modelo, oriundo das
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revoluções sociais do século XX, passou a atribuir novas
responsabilidades à ordem estatal, principalmente a de
assumir o desenvolvimento econômico e social, criando
mecanismos de proteção contra os efeitos colaterais da
economia de mercado.
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Nos últimos anos, a tradição continental passou a
incorporar a dimensão substancial da rule of law, incluindo
dispositivos de garantia dos direitos fundamentais. Essa
nova modalidade de Estado de direito vem recebendo o
nome de Estado constitucional. A principal distinção entre o
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Estado constitucional e as antigas noções de Estado de
direito encontra-se no fato de que o primeiro não se limita
aos aspectos formais da legalidade do exercício do poder,
mas inclui normas substanciais expressas nos chamados
princípios constitucionais e nas normas relativas aos direitos
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fundamentais.
Eduardo R. Rabenhorst. Democracia e direitos fundamentais.
Em torno da noção de estado de direito. Internet:
www.dhnet.org.br (com adaptações).