1
O mundo das leis não precisa ser um universo indecifrável. Para provar isso, um magistrado gaúcho redigiu uma
sentença trocando o tom pomposo do Direito pela linguagem do dia a dia. O resultado foi um texto de fácil
compreensão e uma repercussão maior do que ele imaginava: virou notícia no meio jurídico — e fora dele.
A ideia surgiu quando João Batista de Matos Danda, então juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região,
5
viu‐se completamente perdido em uma conversa com a filha. Por mensagem, a jovem contava sobre um novo emprego,
na área do marketing.
— Ela escreveu expressões como “startup”, “incubada”, “transmídia”, “DNA de marca”. Aí, eu perguntei: “minha
filha, o que tu estás falando exatamente? Traduz, por favor” — conta Danda, ainda achando graça do papo que não lhe
fez sentido.
10
Ao se dar conta de que a linguagem técnica acaba restringindo o entendimento a poucos, geralmente aqueles que
trabalham na mesma área, o juiz, então, se propôs ser mais claro em suas decisões — desafio que levou com certo
exagero em abril passado, quando foi relator no processo em que o pedreiro Lucas de Oliveira pedia vínculo de
emprego e indenização por danos morais, após sofrer acidente em uma obra particular, de propriedade de Itamar
Carboni.
15
Danda foi direto na explicação do rolo. “Três meses depois de iniciada a obra, o pedreiro caiu da sacada, um pouco
por falta de sorte, outro pouco por falta de cuidado, porque ele não tinha e não usava equipamento de proteção. Ele,
Itamar, ficou com pena e acabou pagando até o serviço que o operário ainda não tinha terminado”, disse o juiz na
sentença.
Lá pelas tantas do acórdão, ao falar do processo de revisão da sentença, o magistrado soltou essa: “para julgar de
20
novo, vou ler as declarações de todos mais uma vez e olhar os documentos. Pode ser que me convença do contrário.
Mas pode ser que não. Vamos ver”.
É um texto tão coloquial que parece não ter nada de mais, certo? Errado. O próprio juiz conta como normalmente
essa ideia seria escrita, em um processo “normal”:
— Inconformado com a sentença, que julgou improcedente a ação, recorre o reclamante buscando sua reforma
25
quanto ao vínculo de emprego e indenização por acidente de trabalho. Com contrarrazões sobem os autos a este
tribunal. É o relatório. Passo a decidir.
Na decisão, Danda defendeu que não havia vínculo de emprego na situação, mas que isso não impedia o
trabalhador de receber indenização por danos morais. A reparação, segundo o juiz, “serve para amenizar um pouco o
sofrimento de Lucas, mas também serve para Itamar lembrar que tem obrigação de cuidar da segurança daqueles que
30
trabalham na sua casa, mesmo quando não são empregados”.
(Bruna Scirea. Disponível em: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/06/magistrado‐faz‐sentenca‐em‐linguagem‐coloquial‐para‐
combater‐juridiques‐4774852.html. Acesso em: 10/2015.)