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Não é fácil precisar, na história da civilização, quando foi
que o fator velocidade passou a ganhar prestígio por si mesmo:
o que é mais rápido é sempre melhor. Talvez tudo tenha
começado com as experiências pioneiras de viagens e trans-
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portes. É provável que os primeiros navegadores já aspirassem
à maior velocidade possível de suas embarcações, pela razão
óbvia de que isso diminuiria os custos do empreendimento, os
riscos para a segurança e o tédio da tripulação. O mesmo
raciocínio vale para os transportes por terra: a impulsão de um
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motor, substituindo a de um animal, criou novo parâmetro para
as viagens: em vez de semanas, dias; em vez de dias, horas.
Com o avião, em vez de horas, minutos. E continua, como se
sabe, nossa devoração progressiva de espaço e tempo.
O prestígio contemporâneo da velocidade manifesta-se,
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sobretudo, no campo da informação: quanto mais rápido se
divulga, melhor. A informática foi alçada ao trono de divindade e
trouxe uma nova ansiedade: o potentíssimo processador de
ontem está obsoleto hoje, e o de hoje, amanhã. A banda larga
faz disparar as imagens na tela de um monitor, mas certamente
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não terá como competir com a velocidade do próximo sistema
de acesso e navegação. Meninos de sete anos tamborilam os
dedos na mesa do computador, impacientes, enquanto
aguardam os longos segundos que leva o download de um
novo jogo.
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Em nossos dias, atribui-se ao fator velocidade um
prestígio tão absoluto que parece tolice querer desconfiar dela:
uma das expressões acusatórias e humilhantes é, justamente,
“devagar, quase parando”, aplicada a quem não demonstre
muita pressa. Mas por que não ponderar que algumas das
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capacidades humanas nada têm a ganhar – ao contrário, têm
muito a perder – com a aceleração do processo?
Estaria nesse caso a qualidade das nossas emoções e
das nossas reflexões. São mais intensas as emoções pas-
sageiras? A reflexão mais rápida é a mais conseqüente? Nes-
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ses domínios da sensibilidade e da consciência, a velocidade
não parece ter muito a fazer. Quando alguém repousa os olhos
numa bela paisagem, a imobilidade não é paralisia: a
imaginação está ativa, e o espírito ganha tempo para dar-se
conta de si mesmo. Quando se ouve com atenção uma peça
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musical ou quando se lê refletidamente um texto consistente,
sentimentos e reflexões gastam o tempo que precisam gastar
para que a linguagem da música e o encadeamento das idéias
se alojem e amadureçam dentro de nós. Amadurecer exige
tempo. É possível que nossa época tecnológica, maravilhada
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com tantas e tão rápidas conquistas, represente para a futura
história da civilização uma espécie de adolescência. Para um
adolescente, o impacto das grandes novidades traduz-se como
paradoxal mistura de sentimento de insegurança e sensação de
onipotência.
(Justino Borba, inédito)