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Vira-e-mexe, alguma instituição brasileira faz um seminário, nacional ou internacional, sobre como a mídia pode
ajudar na questão indígena. Convidados do Brasil e do exterior vêm falar sobre o tema, enfatizando este ou aquele fato,
exemplificando como as políticas de inclusão costumam ser boicotadas nas sociedades democráticas. E, quase sempre, o
grande algoz, aquele que mais impede as mudanças, é o próprio Estado. Seja pela intervenção desastrada dos aparelhos
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de promoção social, pelas pressões econômico-financeiras seja até mesmo pela esfera do Judiciário – processos na
Justiça etc. –, o Estado é ou tem sido o grande bandido nesta história.
A bem da verdade, o Estado, quando não reprime diretamente, tem seus mecanismos para dificultar ou mesmo
impedir que progressos sejam alcançados nessa área. Talvez o maior exemplo dessa realidade seja a mídia norte-
americana. Sabe-se que ela tem sido abjeta, covarde e cínica quanto ao seu papel de informar. Ela é cúmplice de tudo
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que tem acontecido no país, na medida em que bancou as mentiras que o Estado criou para ocultar a situação dos povos
indígenas, a ponto de pouco ou quase nada falar sobre a negativa do Governo americano de votar a favor, na ONU, da
aprovação da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas.
Manipulou, mentiu, aceitou a censura imposta pelo Governo e pelos militares, tudo sob o argumento da
preservação da soberania nacional, que inclui o combate ao controle independente das terras e à autodeterminação
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desses povos. A grande maioria ainda hesita em divulgar os fatos como eles acontecem sob o argumento de que
chocariam as pessoas. E comparam esse tipo de censura ao que foi feito no caso do Irã e das supostas bombas atômicas.
O caminho tem sido o mesmo. Tudo em nome da grande pátria, preparando o País para mais uma farsa.
Enquanto isso, jornalistas americanos que vêm ao patropi a convite de algum órgão brasileiro, para falar sobre o papel
da imprensa, usam e abusam da mídia dos EUA como parâmetro de como se comportar para manter as liberdades. No
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mínimo é muita hipocrisia querer manter a lenda de que a mídia americana é a campeã das liberdades. Enquanto a mídia
americana continuar na mesma toada, qualquer consideração sobre imprensa livre em qualquer parte do mundo que venha
dos EUA precisa ser devidamente peneirada. A mídia dos EUA é hoje o maior exemplo de imprensa falsa e manipuladora,
que antes de divulgar informações faz propaganda. Um triste fim para aqueles que desvendaram o caso Watergate, que
resultou na renúncia do Presidente Richard Nixon, em agosto de 1974.
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Por outro lado, nos seminários sobre liberdade de imprensa no Brasil, muito pouco tem-se falado sobre o papel da
mídia em relação a si própria. Quase nada é debatido sobre as pressões econômicas que os veículos sofrem das grandes
corporações para que determinados assuntos não sejam veiculados. O atual caso indígena brasileiro é bem emblemático.
Grande parte da mídia do País se nega a dar o devido destaque à situação dos povos indígenas, que continuam a enfrentar a
marginalização, pobreza extrema e outras violações dos direitos humanos, sendo muitas vezes arrastados para conflitos e
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disputas de terras que ameaçam o seu modo de vida e mesmo a sua sobrevivência.
Independente das posições político-ideológico-partidárias de cada um, seja um cidadão seja uma empresa – afinal,
todos têm direito à livre manifestação nas sociedades democráticas –, o que tem acontecido é lamentável sob qualquer
ponto de vista. É claro que qualquer denúncia contra os direitos dos povos indígenas tem de ser investigada até o fim.
Esse é o principal papel do jornalismo. Reportagem é, antes de mais nada, uma profunda investigação de um fato. Agora,
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o mais honesto seria que os veículos da grande imprensa deixassem claras suas preferências político-ideológico-partidárias,
que projeto de sociedade defendem etc. Ela, a mídia, pode e deve se manifestar quanto a suas preferências. Por que não?
O que impede essa atitude? Muito pior é ficar manipulando grosseiramente as informações, fingindo posição neutra, uma
pretensa defesa da Democracia. O leitor, ouvinte ou telespectador poderia escolher melhor e com mais segurança em
quem acreditar e a quem dar crédito. Do jeito que está, fica difícil, cada vez mais difícil, haver credibilidade na imprensa
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brasileira.
Fonte: Reescritura de Cézar de Souza, a partir dos artigos “Liberdade de imprensa, hipocrisia e credibilidade”
(Observatório de Imprensa, 13/06/2006) e “ONU aprova Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas” (Esquerda,
14/09/2007).