1
Fui me aproximando incomparavelmente sem vontade, sentei no chão tomando
cuidado em sequer tocar no vestido, puxa! também o vestido dela estava
completamente assustado, que dificuldade! Pus a cara no travesseiro sem a
menor intenção de. [...]Fui afundando o rosto naquela cabeleira e veio a
5
noite, se não os cabelos (mas juro que eram cabelos macios) me machucavam
os olhos. Depois que não vi nada, ficou fácil continuar enterrando a cara,
a cara toda, a alma, a vida, naqueles cabelos, que maravilha! até que meu
nariz tocou num pescocinho roliço. Então fui empurrando os meus lábios,
tinha uns bonitos lábios grossos, nem eram lábios, era beiço, minha boca foi
10
ficando encanudada até que encontrou o pescocinho roliço. Será que ela dorme
de verdade?... Me ajeitei muito sem-cerimônia, mulherzinha! e então beijei.
Quem falou que este mundo é ruim! só recordar... Beijei Maria, rapazes! eu
nem sabia beijar, está claro, só beijava mamãe, boca fazendo bulha, contato
sem nenhum calor sensual.Maria, só um leve entregar-se, uma levíssima
15
inclinação pra trás me fez sentir que Maria estava comigo em nosso amor.
Nada mais houve. Não, nada mais houve. Durasse aquilo uma noite grande, nada
mais haveria porque é engraçado como a perfeição fixa a gente.
(Fragmento do conto " Vestida de preto" de Mário de Andrade)