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Não há nada mais insólito do que um filme sem música:
reduzido ao som ambiental, “realista”, o cinema perde, paradoxal-
mente, um de seus maiores artifícios de “realidade”. É quase tão
estranho pensar num filme sem trilha sonora quanto seria olhar
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pela janela e descobrir o mundo inteiro banhado de música, como
se tudo tivesse, magicamente, se transformado em cinema.
A função da música no cinema tradicional vai desde a criação
de um ambiente afetivo até a costura da narrativa e o comentário
às cenas. Muito do que passa por música de filme não tem outra
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ambição que a de ajudar na hipnose da plateia ou reforçar padrões
de expectativa (um tema expressivo nas cordas para a cena de
amor; uma sequência de acordes de sétima dominante quando o
vilão dos desenhos animados fracassa).
Essa estranheza de pessoas e coisas vivendo com trilha sonora,
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cidades inteiras cobertas de canções tem um nome antigo: melo-
drama, literalmente um drama com música.
(Arthur Nestrovsky, Notas Musicais)