.... encostado à parede, marmóreo e impassível...

... o garçom boceja, tira um fiapo do ombro...

.... o cliente paulista acena, assovia, agita os braços...

... o garçom carioca o ignora com redobrada atenção.

.... aí estão eles, a bailar seu diabólico “pas de deux”....

Para resolver a questão, é essencial compreender como a incoerência é utilizada pelo autor para transmitir uma ideia específica no texto. Incoerência, aqui, refere-se ao uso de uma expressão ou situação que parece contradizer-se, mas que, na verdade, é empregada de maneira intencional para destacar ou enfatizar um ponto de vista ou característica.

 
No primeiro parágrafo do texto, a interação entre um cliente paulista e um garçom carioca é descrita. O texto informa que o cliente tenta chamar a atenção do garçom, que, por sua vez, parece ignorá-lo deliberadamente. A incoerência surge quando consideramos que a ação de "ignorar" normalmente sugere desatenção ou descuido, enquanto a expressão "com redobrada atenção" indica um alto nível de cuidado e foco.

 
A expressão "o garçom carioca o ignora com redobrada atenção" (alternativa D) capta essa incoerência de forma clara. De um lado, temos a palavra "ignora", que normalmente sugeriria negligência ou falta de interesse. De outro, "com redobrada atenção" sugere um esforço consciente, uma escolha deliberada de não atender ao cliente de forma ativa. Essa junção de conceitos opostos cria uma imagem poderosa do comportamento do garçom, reforçando a natureza quase teatral, quase contrariante da situação.

 
As demais alternativas, enquanto ilustrativas das ações dos personagens, não encapsulam uma incoerência explícita. A alternativa A é uma descrição do garçom, B descreve ações casuais do garçom, e C e E descrevem ações do cliente ou a metáfora do "pas de deux", respectivamente, sem apresentar o contraste incoerente presente na alternativa D.

Gabarito: Letra D

Veja, aí estão eles, a bailar seu diabólico “pas de deux” (*): 
sentado, ao fundo do restaurante, o cliente paulista acena, asso-
via, agita os braços num agônico polichinelo; encostado à pare-
de, marmóreo e impassível, o garçom carioca o ignora com re-
dobrada atenção. O paulista estrebucha: “Amigô?!”, “Chefê?!”, 
“Parceirô?!”; o garçom boceja, tira um fiapo do ombro, olha pro 
lustre.
Eu disse “cliente paulista”, percebo a redundância: o paulista 
é sempre cliente. Sem querer estereotipar, mas já estereotipando: 
trata-se de um ser cujas interações sociais terminam, 99% das 
vezes, diante da pergunta “débito ou crédito?”.[...] Como pode 
ele entender que o fato de estar pagando não garantirá a aten-
ção do garçom carioca? Como pode o ignóbil paulista, nascido e 
criado na crua batalha entre burgueses e proletários, compreen-
der o discreto charme da aristocracia?
Sim, meu caro paulista: o garçom carioca é antes de tudo 
um nobre. Um antigo membro da corte que esconde, por trás da 
carapinha entediada, do descaso e da gravata borboleta, saudades 
do imperador. [...] Se deixou de bajular os príncipes e princesas 
do século 19, passou a servir reis e rainhas do 20: levou gim tô-
nicas para Vinicius e caipirinhas para Sinatra, uísques para Tom 
e leites para Nelson, recebeu gordas gorjetas de Orson Welles e 
autógrafos de Rockfeller; ainda hoje fala de futebol com Roberto 
Carlos e ouve conselhos de João Gilberto. Continua tão nobre 
quanto sempre foi, seu orgulho permanece intacto.
Até que chega esse paulista, esse homem bidimensional e 
sem poesia, de camisa polo, meia soquete e sapatênis, achando 
que o jacarezinho de sua Lacoste é um crachá universal, capaz de 
abrir todas as portas. Ah, paulishhhhta otááário, nenhum emble-
ma preencherá o vazio que carregas no peito - pensa o garçom, 
antes de conduzi-lo à última mesa do restaurante, a caminho do 
banheiro, e ali esquecê-lo para todo o sempre.
Veja, veja como ele se debate, como se debaterá amanhã, 
depois de amanhã e até a Quarta-Feira de Cinzas, maldizendo a 
Guanabara, saudoso das várzeas do Tietê, onde a desigualdade 
é tão mais organizada: “Ô, companheirô, faz meia hora que eu 
cheguei, dava pra ver um cardápio?!”. Acalme-se, conterrâneo. 
Acostume-se com sua existência plebeia. O garçom carioca não 
está aí para servi-lo, você é que foi ao restaurante para homena-
geá-lo.

(*) Um tipo de coreografia, de dança.

agitação insistente do primeiro à estaticidade do segundo.

informalidade do primeiro ao profissionalismo impassível do segundo.

falta de polidez do primeiro à eficiência do segundo.

negligência do primeiro à falta de educação do segundo.

grosseria do primeiro ao cavalheirismo nobre do segundo.

O primeiro parágrafo do texto apresenta claramente um cenário onde um cliente paulista e um garçom carioca interagem de maneiras diametralmente opostas. O cliente é descrito com gestos exagerados, tentando chamar a atenção do garçom: "acena, assovia, agita os braços num agônico polichinelo".
 
Por sua vez, o garçom é caracterizado por sua impassibilidade: "encostado à parede, marmóreo e impassível". Além disso, ele ignora o cliente "com redobrada atenção" e até se distrai com outras coisas como "tira um fiapo do ombro, olha pro lustre".
 
Esta descrição configura um contraste entre a "agitação insistente" do cliente, que tenta de várias formas chamar a atenção, e a "estaticidade" do garçom, que se mantém imóvel e indiferente.
 
Vamos agora analisar as demais alternativas:
 
<ul>
<li>Alternativa B: "informalidade do primeiro ao profissionalismo impassível do segundo" - A descrição do cliente e do garçom não enfatiza a informalidade versus profissionalismo, mas sim a tentativa frenética de atenção contra a indiferença.</li>
<li>Alternativa C: "falta de polidez do primeiro à eficiência do segundo" - Não há menção à eficiência do garçom, mas sim ao seu descaso.</li>
<li>Alternativa D: "negligência do primeiro à falta de educação do segundo" - A negligência não é um atributo do cliente, que está, de fato, muito envolvido em tentar conseguir atenção.</li>
<li>Alternativa E: "grosseria do primeiro ao cavalheirismo nobre do segundo" - Não há indicação de grosseria por parte do cliente nem de cavalheirismo por parte do garçom.</li>
</ul>
Gabarito: Letra A

apoiando as atitudes de ambos, cujas qualidades morais  destaca.

prestigiando o garçom, cuja atitude classifica de inadequada, em diversas passagens.

identificando-se com as atitudes do cliente, apesar de  expressar antipatia por aquele.

tomando partido do garçom, pois, como este, o autor  também é carioca.

ironizando os comportamentos de ambos, embora ele  também seja paulista.

O texto apresentado utiliza uma narrativa carregada de ironia para descrever um conflito cultural entre um "cliente paulista" e um "garçom carioca". As descrições satirizam as atitudes e os estereótipos associados a ambos os personagens, criando assim uma crítica humorística às diferenças culturais e sociais percebidas pelo autor. Este estilo de narrativa busca provocar reflexão ao mesmo tempo que entretém.

 

O autor expressamente usa estereótipos para marcar a diferença em atitudes e comportamentos: o paulista é descrito como insistente e impaciente, enquanto o garçom carioca é retratado como indiferente e orgulhoso. Essas descrições são exageradas para enfatizar o humor e a crítica social.

 

Ao analisarmos as alternativas dadas, não encontramos suporte para afirmar que o autor apoia as atitudes de ambos ou que ele presta homenagem ao garçom, esta última concluindo que o garçom tem uma atitude inadequada. Também não há indicação de que o autor se identifique com o cliente ou com o garçom de maneira a tomar partido devido a uma suposta origem carioca, conforme sugere a alternativa D.

 

A alternativa E afirma que o autor está “ironizando os comportamentos de ambos, embora ele também seja paulista”. Esta escolha destaca corretamente a intenção irônica do texto, incluindo a autocrítica que emerge da menção de que o autor também é paulista, fazendo dele simultaneamente narrador e parte do grupo que ele critica. Ou seja, ele consegue manter uma posição neutra, usando a ironia para comentar sobre as peculiaridades de ambas as figuras.

 

Gabarito: Letra E

Questões de Português - Compreensão e interpretação de textos - Escrevente Técnico Judiciário - 2013