    Sou mulher, sou Marta e só posso escrever. Afinal, talvez seja oportuna a tua ausência. Porque eu, de outro modo, nunca te poderia alcançar. Deixei de ter posse da minha própria voz. Se viesses agora, Marcelo, eu ficaria sem fala. A minha voz emigrou para um corpo que já foi meu. E quando me escuto nem eu mesma me reconheço. Em assuntos de amor só posso escrever. Não é de agora, sempre foi assim, mesmo quando estavas presente.
    E escrevo como as aves redigem o seu voo: sem papel, sem caligrafia, apenas com luz e saudade. Palavras que, sendo minhas, não moraram nunca em mim. Escrevo sem ter nada que dizer. Porque não sei o que te dizer do que fomos. E nada tenho para te dizer do que seremos. Porque sou como os habitantes de Jerusalém. Não tenho saudade, não tenho memória: meu ventre nunca gerou vida, meu sangue não se abriu em outro corpo. É assim que envelheço: evaporada em mim, véu esquecido num banco de igreja.
    Só te amei a ti, Marcelo. Essa fidelidade levou-me ao mais penoso dos exílios: esse amor afastou-me da possibilidade de amar. Agora, entre todos os nomes, só me resta o teu nome. Só a ele posso pedir o que antes te pedia a ti: que me faça nascer. Porque eu preciso tanto de nascer! De nascer outra, longe de mim, longe do meu tempo. Estou exausta, Marcelo. Exausta, mas não vazia. Para se estar vazia é preciso ter dentro. E eu perdi a minha interioridade.
    Por que não escreveste nunca? Não é de te ler que mais tenho saudade. É o som da faca rasgando o envelope que trazia a tua carta. E sentir, de novo, uma carícia na alma, como se algures estivessem golpeando um cordão umbilical. Engano meu: não há faca, não há carta. Não há parto de nada, nem de ninguém.
    Vês como fico pequena quando escrevo para ti?    
    É por isso que eu nunca poderia ser poeta. O poeta se engrandece perante a ausência, como se a ausência fosse o seu altar, e ele ficasse maior que a palavra. No meu caso, não, a ausência me deixa submersa, sem acesso a mim.
    Este é o meu conflito: quando estás, não existo, ignorada. Quando não estás, me desconheço, ignorante. Eu só sou na tua presença. E só me tenho na tua ausência. Agora, eu sei. Sou apenas um nome. Um nome que não se acende senão em tua boca.
    [...]    


Leia a tirinha abaixo, de Calvin e Haroldo, para responder a seguinte questão. 

<center><img alt='Imagem questão' src="https://d1obul4n7gbyjy.cloudfront.net/6634c710e2d46bf8fb07c2a7nosso-rumo-2023-prefeitura-de-sao-carlos-sp-arquiteto-prova2308.png"></center>

A questão pede a identificação da figura de linguagem presente na frase "No curso de cinema, tivemos que assistir muito Steven Spielberg". Vamos analisar as alternativas oferecidas:

A) Hipérbole é uma figura de linguagem caracterizada pelo exagero intencional de uma ideia com finalidade expressiva. Apesar de "muito" sugerir uma certa intensificação, não há um exagero real que configure uma hipérbole nesta frase. 

B) Metonímia ocorre quando uma palavra é usada para substituir outra com a qual tem uma relação lógica. Neste caso, "Steven Spielberg" é usado no lugar de "filmes de Steven Spielberg". Essa substituição, onde o criador é usado para representar a criação, é um exemplo clássico de metonímia. 

C) Sinestesia envolve a mistura de sentidos, como "cheiro azul" ou "som ácido". A frase em questão não apresenta essa característica. 

D) Pleonasmo é uma figura de linguagem que emprega repetição desnecessária de uma informação, tais como "subir para cima". A frase examinada não possui redundâncias que indiquem pleonasmo. 

E) Analogia é uma comparação entre dois elementos que são parcialmente semelhantes, usada amplamente para explicar ou conectar ideias. Não existe uma comparação direta que estabeleça uma analogia na frase em análise. 

Dentre as opções, "Metonímia" é a alternativa que melhor descreve o uso de "Steven Spielberg” no sentido de “filmes de Steven Spielberg”. Esse é um exemplo típico de metonímia, que frequentemente utiliza o nome de artistas ou criadores para se referir às suas obras.

Gabarito: Letra B

A análise desta questão passa pelo entendimento do termo destacado no texto: "justinhamente". O termo não é encontrado comumente no idioma português padrão e parece ser uma criação dentro do contexto específico deste texto. Essa formação de uma nova palavra ou expressão é a chave para identificar a figura de linguagem presente.

 

Para cada alternativa, consideremos:
<ul>
<li>Metáfora: Uma comparação implícita entre dois elementos distintos sem o uso de uma partícula comparativa. No termo "justinhamente", não ocorre comparação alguma.</li>
<li>Metonímia: Substituição de um termo por outro com o qual mantém uma relação lógica, semelhança ou contiguidade. O termo "justinhamente" não substitui nada diretamente, sendo uma forma adverbial inovadora.</li>
<li>Paradoxo: Contradição entre ideias ou expressões. "Justinhamente" não apresenta contradições em sua construção ou significado.</li>
<li>Neologismo: Criação de uma nova palavra ou expressão na língua. É o que parece mais se adequar ao caso de "justinhamente", indicando uma forma inédita de expressar uma ideia.</li>
<li>Prosopopeia: Atribuição de características humanas a seres inanimados ou abstratos. "Justinhamente" não realiza tal atribuição.</li>
</ul>

 

Portanto, observamos que o termo "justinhamente" atende à definição de um neologismo, que é a criação de novas palavras ou expressões. Não há indicativos de que "justinhamente" substitua conceitos já existentes ou estabeleça comparações, como aconteceria nas outras figuras de linguagem listadas.

Gabarito: Letra D

Esta é a estória. la um menino, com os Tios, passar dias no lugar onde se construfa a grande cidade. Era uma viagem inventada no feliz; para ele, produzia-se em caso de sonho.
Safam ainda com o escuro, o ar fino de cheiros desconhecidos.
A mãe e o pai vinham trazê-lo ao aeroporto. A tia e o tio tomavam conta dele, justinhamente. Sorria-se, saudava-se, todos se ouviam e falavam. O avião era da Companhia, especial, de quatro lugares. Respondiam-lhe a todas as perguntas, até o piloto conversou com ele. O voo ia ser pouco mais de duas horas. O menino fremia no acorçoo, alegre de se rir para si, confortavelzinho, com um jeito de folha a cair. A vida podia às vezes raiar numa verdade extraordinária. Mesmo o afivelaremlhe o cinto de segurança virava forte afago, de proteção, e logo novo senso de esperança: ao não-sabido, ao mais. Assim um crescer e desconter-se — certo como o ato de respirar — o de fugir para o espaço em branco. O menino.
 E as coisas vinham docemente de repente, seguindo harmonia prévia, benfazeja, em movimentos concordantes: as satisfações antes da consciência das necessidades. Davam-lhe balas, chicles, à escolha. Solícito de bem-humorado, o Tio ensinava-lhe como era reclinável o assento — bastando a gente premer manivela. Seu lugar era o da janelinha, para o móvel mundo. [...]

 “Nenhum povo tem mais pavor aos terremotos que o peruano [...].” 

 “De repente, uma variante trágica.” 

 “Mas o nosso sertanejo faz exceção à regra.” 

Para identificar a alternativa correta, é necessário compreender a figura de linguagem denominada elipse. Elipse é um recurso estilístico em que ocorre a omissão de um termo ou mais na frase que é facilmente subentendido pelo contexto. A análise das alternativas deve focar em identificar qual delas apresenta essa omissão.

Alternativa A: “Nenhum povo tem mais pavor aos terremotos que o peruano [...].”
Essa frase compara o medo que os peruanos têm de terremotos com o medo de outras nações, porém omite explicitamente a menção do grupo comparado com o peruano. O termo está subentendido e poderia ser algo como "[nenhum povo tem mais pavor aos terremotos] do que tem o peruano". Aqui ocorre a elipse do termo que indica a comparação. 

Alternativa B: “De repente, uma variante trágica.”
Não há elipse nesta frase, ela simplesmente indica o acontecimento súbito de uma situação trágica, sem omitir termos essenciais para a compreensão. 

Alternativa C: “Mas o nosso sertanejo faz exceção à regra.”
Essa frase, apesar de resumida, não apresenta omissão de termos necessários para sua plena compreensão. O sujeito "o nosso sertanejo" e o predicado estão completos na estrutura da frase. 

Alternativa D: “A seca não o apavora.”
Esta afirmação é clara e direta, não apresentando elipse. Todos os componentes da frase estão presentes. 

Gabarito: Letra A

    De repente, uma variante trágica.
    Aproxima-se a seca.
    O sertanejo adivinha-a e graças ao ritmo singular com que se desencadeia o flagelo.
    Entretanto não foge logo, abandonando a terra a pouco e pouco invadida pelo limbo candente que irradia do Ceará.
    Buckle, em página notável, assinala a anomalia de se não afeiçoar nunca, o homem, às calamidades naturais que o rodeiam. Nenhum povo tem mais pavor aos terremotos que o peruano; e no Peru as crianças ao nascerem têm o berço embalado pelas vibrações da terra.
    Mas o nosso sertanejo faz exceção à regra. A seca não o apavora. É um complemento à sua vida tormentosa, emoldurando-a em cenários tremendos. Enfrenta-a, estoico.
Apesar das dolorosas tradições que conhece através de um sem número de terríveis episódios, alimenta a todo o transe esperanças de uma resistência impossível.
    Com os escassos recursos das próprias observações e das dos seus maiores, em que ensinamentos práticos se misturam a extravagantes crendices, tem procurado estudar o mal, para o conhecer, suportar e suplantar. Aparelha-se com singular serenidade para a luta. Dois ou três meses antes do solstício de verão, especa e fortalece os muros dos açudes, ou limpa as cacimbas. Faz os roçados e arregoa as estreitas faixas de solo arável à orla dos ribeirões. Está preparado para as plantações ligeiras à vinda das primeiras chuvas.
[...] 
    É o prelúdio da sua desgraça.
    Vê-o acentuar-se num crescendo, até dezembro.


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